O alcance das mulheres da energia

Por Alessandra Mathyas e Samara Santos do WWF-Brasil

Não é novidade que o setor de energia mundial é predominantemente masculino. Ao longo da história, mulheres cientistas fizeram a diferença nessa área sem ter recebido o mérito devido por seus feitos. Isso ainda fica mais evidente quando se sabe que o trabalho feminino é muito maior dadas as responsabilidades familiares que lamentavelmente não são contabilizadas e pouco valorizadas quando se avalia a produtividade e o papel feminino em instâncias de poder e em empresas. Nos eventos de energia não tem sido diferente. As fotos mostram uma maioria esmagadora de homens. Isso incomodava muitas mulheres que atuam no setor e que não se sentiam representadas nesses encontros.  

Daí surgiu a iniciativa do Congresso Brasileiro das Mulheres da Energia. Realizado em agosto de 2022 em tempo recorde, reuniu presencialmente em São Paulo mais de 700 mulheres, de várias regiões do país. Claro que homens também estiveram presentes. Mas nas funções de palestrantes e painelistas, somente mulheres, mostrando que nós temos conhecimento técnico e político para falar em nome de nossas empresas e organizações.  

Agora na Semana da Mulher de 2023, acontecerá o 2º Congresso das Mulheres da Energia, desta vez na capital federal. Com um dia a mais de atividades, permitiu que houvesse a ampliação de temas que precisam entrar na pauta energética. Entre eles os impactos socioambientais sentidos prioritariamente por mulheres com as novas fontes renováveis de energia. Na mesa Energia para quem: novas renováveis em biomas sensíveis, as debatedoras são: Moema Hofstaetter - Pesquisadora LISAT/UFRN, Jussara Salgado – Projeto Saúde e Alegria (Santarém), Roselita Vitor da Costa Albuquerque - Marcha Mundial das Mulheres Polo de Borborema (PA), Darlene Yaminalo Taukane - coordenadora do Instituto Yukamaniru de Apoio às Mulheres Bakairi (MT) e Gerusa Alves - Associação Comunitária Terra Sertaneja ACOTERRA (BA). 

Esse painel irá discutir os desafios energéticos em comunidades de biomas como a   Amazônia, Caatinga, Cerrado e Pantanal. A exclusão energética a que milhares de famílias são submetidas nessas regiões é o retrato da injustiça energética e climática que vivemos em pleno Século XXI, quando paradoxalmente a tecnologia já nos leva fisicamente a outros planetas. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), do total de pessoas que vivem em extrema pobreza e que estão vulneráveis a desastres naturais, 72% são mulheres. Então, é preciso reconhecer que homens e mulheres são impactados de forma diferente pelas mudanças climáticas e que as políticas públicas e as tecnologias para atender ao bem viver coletivo e individual precisam ser pensadas de forma diferenciada também por gênero e por região. O que serve bem para uma localidade, para outra pode ser uma catástrofe.  

Na Amazônia Legal, por exemplo, ainda há mais de um milhão de pessoas sem acesso à energia 24 horas em muitos lugares, o que impede o avanço de ações estruturantes de desenvolvimento regional, como conectividade digital, melhoria de educação, saneamento, comunicação e abertura a novos mercados. E a maioria dessas famílias, lideradas por mulheres, são indígenas, agricultoras e quilombolas. Uma região tão rica em recursos naturais que podem gerar energia de forma distribuída e mais barata, ainda é fortemente dependente de combustível fóssil para o básico das atividades humanas. E o preço para esse serviço de baixa qualidade é o mais caro do país.  

Já a Caatinga, que historicamente sofre impactos de secas severas, as tecnologias solar e eólica estão chegando para trazer não só a energia 24 horas, mas o desenvolvimento que se espera a partir das características do bioma. Em quase duas décadas que a região vem conhecendo e vivendo com novos empreendimentos, surgiram também problemas antes não detectados em estudos de viabilidade. E mais uma vez, nos impactos negativos, são as mulheres que estão em busca de seus direitos e de suas famílias e comunidades em temas como conflitos fundiários e saúde mental.  

No Cerrado, bioma mais devastado originalmente, onde nascem os principais rios brasileiros e responsável pela maior parte do PIB nacional, ainda há conflitos fundiários, desrespeito a direitos humanos básicos e também brasileiros sem energia para o bem viver. O Pantanal, que já foi a maior área úmida do planeta e que vem secando ano a ano, indica que empreendimentos energéticos precisam passar por avaliação integrada de bacias e sociobiodiversidade. Em todas as regiões, soluções baseadas na natureza podem ser integradas a sistemas energéticos mais eficientes e participativos.  

Assim é fundamental que eventos que discutam o futuro energético do país partam de problemas fundamentais como os citados acima para buscar as melhores tecnologias a serem implementadas. E nesse contexto há mulheres profissionais de todas as áreas do conhecimento capazes de colaborar. Desde as indígenas e seus conhecimentos tradicionais até a mais especializada PhD em Hidrogênio Renovável. Há espaço para todas. E juntas encontrarão os melhores caminhos para que as fontes de energia renováveis que tanto defendemos, avancem na contribuição aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e não repitam os erros do passado.

Notícia publicada originalmente em: https://pt.linkedin.com/pulse/o-alcance-das-mulheres-da-energia-wwf-brasil?trk=public_post_feed-article-content

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