“Ouçam o clamor da juventude camponesa: queremos energia descentralizada”

Jovens do Polo da Borborema realizaram ontem (30) a 10ª Feira Cultural e Agroecológica com papo sério, música, teatro e venda de alimentos saudáveis, além de artesanato 

“As empresas [de energia renovável] chegam no território não respeitam a vida que ali existe. Desmatam. Poluem os rios. Isso não é desenvolvimento. Pra gente fica apenas o prejuízo, a miséria, má qualidade de vida, pouca produção. E afeta também a cidade. Porque se o campo não planta, a cidade não janta. Ouçam o clamor da juventude.”

“Os nossos animais, que estão na floresta da Caatinga, vivendo lá, morando lá, que a gente sabe, reproduzindo no bioma natural, vão desaparecer. Por quê? Porque vem os grandes empreendimentos e derrubam as nossas florestas. Passam por cima de tudo.”

“Energia limpa? Limpa para quem? Por isso que, hoje, a juventude está aqui, denunciando o modelo concentrado de energia. A juventude do Polo da Borborema, com as mulheres e os agricultores deste território, está dizendo NÃO a esse modelo de energia concentrada. Está dizendo não a esse modelo que traz apenas a miséria pra população local.”

“Queremos energia descentralizada. Que cada agricultor e agricultora possa produzir sua própria energia com placas solares nas suas casas.”

Essas e outras afirmações foram pronunciadas por duas jovens lideranças do Polo da Borborema, ontem (30), na 10ª Feira Agroecológica e Cultural da Juventude Camponesa, no centro do município de Arara, com mais de 13,5 mil habitantes, a 155 km da capital da Paraíba.

Adailma Ezequiel, do município de Queimadas, e Mateus Silva, de Solânea, eram os porta-vozes que denunciavam uma ameaça real à produção de alimentos agroecológicos no território de atuação do Polo da Borborema. São os grandes empreendimentos de geração de energia renovável, que instalam verdadeiros parques industriais nos quintais, roçados e áreas coletivas das comunidades rurais.

O território do Polo envolve 13 municípios, nove mil famílias agricultoras, uma rede com cerca de 60 bancos comunitários de sementes crioulas, e outra com 12 feiras agroecológicas e cinco pontos fixos de comercialização de alimentos saudáveis para a população urbana. Isso, sem falar numa infinidade de tecnologias sociais que possibilitam o aumento de produção das famílias camponesas e, consequentemente, a sua segurança alimentar e nutricional.

“Ouçam, ouçam o clamor da juventude”, bradava Adailma ao microfone para os presentes, em sua maioria, jovens e adolescentes. Mas bem que ela poderia estar em Dubai, nos Emirados Árabes, no oriente, onde começou – bem no dia da feira – a 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP28.

Lá, estão reunidos/as chefes/as de nações de todo o mundo, inclusive, o presidente Luís Inácio Lula da Silva. Eles/as discutem o enfrentamento da crise climática, uma agenda urgente para a continuidade da vida no planeta, mas que afeta primeiro e, principalmente, os seres vivos das áreas mais pobres do mundo.

Racismo ambiental – Uma dessas áreas é o Semiárido brasileiro, que sempre foi marginalizado a partir de um olhar preconceituoso e limitado para a região, seu povo e bioma. “As reportagens mostram só o fracasso no tempo de seca, mas não é essa a nossa realidade”, dispara Francelina Fernandes, 27 anos, do sítio Jucá, na zona rural de Lagoa Seca.

“Aqui nós temos espécies como a jurubeba, matapasto, unha de gato, consideradas como pragas, mas que têm usos medicinais. A jurubeba também é usada na culinária substituindo o alface. Temos também animais silvestres como o [tatu] peba, corujas buraqueiras, tejú, teiú, abelhas uruçu nordestina, a uruçu nordestina amarela e a mirim, todas nativas do Nordeste”, enumera João Pedro, de 18 anos, que vive no Sítio Pai Domingos, também no município de Lagoa Seca.

As falas precisas e afiadas de Francelina e João Pedro no reconhecimento do valor da Caatinga, com suas plantas e animais nativos, se devem também à participação deles no processo de formação da juventude camponesa sobre o lema Caatinga Viva, Floresta em Pé: em Defesa da Borborema Agroecológica, que também foi a temática da feira.

Cerca de 240 jovens, de oito municípios, refletiram sobre a forma preconceituosa como a mídia retrata o Semiárido, o bioma Caatinga e a todos que moram lá. Tudo isso durante oito encontros municipais de preparação para a Feira da Juventude e mais uma vivência no meio da Caatinga no assentamento Volume, em Remígio.

Nessa agenda de formação e mobilização da juventude camponesa da Borborema Agroecológica também houve encontros para refletir sobre a participação deles e delas nos Fundos Rotativos Solidários (FRS) para criação de pequenos animais. Os FRS são uma espécie de poupança coletiva com taxas mensais acordadas em cada grupo, que possibilitam aos/às jovens o acesso a recursos financeiros, equipamentos ou melhorias nas casas, quintais e agroecossistemas.

E a 10ª Feira Cultural e Agroecológica da Juventude? – O evento foi o ápice desse processo de formação com adolescentes e jovens camponeses do território. Depois de vários encontros, os/as feirantes, participantes e lideranças estavam na feira com consciência de que o evento não tinha o objetivo só de vender os alimentos e artesanatos produzidos por eles/as. Mas também de anunciar para a sociedade o que afeta a vida no campo.

“A feira é uma forma de mostrar que a juventude está viva e ativa no campo. Viemos denunciar o que nos afeta para que a gestão pública possa agir em nosso benefício e possibilitar condições da gente permanecer no campo, preservando o bioma e nossa rica fauna e flora”, salienta Jeane Carla Clementina, 29 anos, do assentamento Queimadas, em Remígio.

Nem só as ameaças fazem a luta – Apesar das ameaças dos grandes empreendimentos ao modo de vida camponês e à produção de alimentos saudáveis, sem agrotóxicos e sem sementes transgênicas, a luta se fortalece também com as vitórias. Atualmente, entre as boas novas podemos destacar a retomada das políticas públicas federais de fortalecimento da agricultura familiar camponesa e de convivência com o Semiárido, como os programas de acesso à água e o Ecoforte.

Para pontuar essas conquistas, essenciais para fixar as famílias camponesas, especialmente, os/as jovens no campo, a liderança Edson Johnny, de Esperança, fez uma fala na feira. 

Juventude de mãos dadas com a cultura – Além das barracas dispostas em duas fileiras com espaço de circulação no corredor formado no meio, a programação foi animada com as bandas de forró Chamego da Pisadinha e a Marcial, ambas de Arara, o município sede do evento.

Teve também uma esquete teatral com a conhecida Vovó Amorosa, personagem da atriz e educadora popular de Remígio e também assessora técnica da AS-PTA, Maria do Socorro Alves dos Santos, conhecida como Coka.

Outra atração que capturou a atenção dos presentes de todas as idades foi o teatro de bonecos João Redondo Encantado, do jovem Alisson da Costa, de 20 anos, que aprendeu a arte dos fantoches com o avô. Além de bonequeiro, Alisson estuda Agronomia, na Universidade Federal da Paraíba, campus Areia, e faz estágio na AS-PTA.

O ato final da feira foi um abraço da Comissão Executiva da Juventude do Polo da Borborema, que representou a aliança das lideranças jovens e a continuidade da luta em defesa do território.

Notícia publicada originalmente em: https://aspta.org.br/2023/12/02/oucam-o-clamor-da-juventude-camponesa-queremos-energia-descentralizada

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