Hidrogênio verde, mas nem tanto

Produção de hidrogênio renovável sem requisito de adicionalidade pode levar ao consumo de eletricidade de fontes fósseis

Produção de hidrogênio renovável (ou verde) sem requisito de adicionalidade pode levar ao consumo de eletricidade de fontes fósseis. Na imagem, presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, profere "Discurso do Estado da União de 2022" (Soteu, na sigla em inglês), em 14/9/22, em Estrasburgo (Foto: CC-BY-4/União Europeia)

Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, profere "Discurso do Estado da União de 2022" (Soteu, na sigla em inglês), em 14/9/22, em Estrasburgo (Foto: CC-BY-4/União Europeia)

O Parlamento Europeu decidiu, na última quarta (14/9), pela flexibilização das regras de adicionalidade para produção do hidrogênio verde (H2V), que obrigava que toda eletricidade renovável utilizada para produção do energético viesse de fontes dedicadas.

Os congressistas da União Europeia (UE) também derrubaram a proposta que permitia aos produtores de hidrogênio usar eletricidade proveniente da rede somente quando compensassem com fornecimento dedicado, em até uma hora.

Agora, fica permitido aos produtores de H2V utilizarem eletricidade do grid, desde que ela seja verde, comprovada por meio de contratos de compra de energia (PPA) limpa, com saldo equivalente entre o PPA e compras de rede.

Lobby do hidrogênio

A pressão para flexibilização do requisito de adicionalidade na produção de H2V veio do principalmente da Hydrogen Europe, associação que reúne representantes da indústria de hidrogênio na Europa, com conselho formado por membros de empresas como Bosch, Equinor, RWE, Iveco e Airbus.

Uma das justificativas do lobby europeu era que tal rigidez nos critérios poderia causar “um êxodo em massa de empresas para o mercado norte-americano”.

Recentemente, o governo dos Estados Unidos se comprometeu a subsidiar até US$ 3 por quilo de hidrogênio verde produzido, por meio da Lei de Redução da Inflação.

Não que a Europa não vá subsidiar…

No mesmo dia da votação, a Comissão Europeia anunciou a criação de um Banco Europeu do Hidrogênio, que destinará 3 bilhões de euros para alcançar a meta de consumo de 20 milhões de toneladas de hidrogênio verde até 2030, prevista no RePower — programa de substituição do gás natural russo.

Das 20 milhões de toneladas de hidrogênio verde, 10 milhões virão da produção doméstica e outras 10 milhões de toneladas de importação.

“O hidrogênio pode ser um divisor de águas para a Europa”, disse Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão.

Também foram definidas novas metas para a utilização do hidrogênio renovável e derivados.

Eles deverão representar pelo menos 5,7% de todos os combustíveis até 2030, incluindo 1,2% no setor marítimo. Além disso, 50% da indústria deverá fazer a transição para o hidrogênio verde até 2030, chegando a 70% até 2035.

Críticas à flexibilização

Para os críticos da flexibilização das regras da UE, o hidrogênio só pode ser favorável ao clima se produzido por energias renováveis ​​adicionais dedicadas.

“O hidrogênio não é uma fonte de energia, mas um sumidouro de energia”, diz Ana Serdoner, Gerente Sênior de Políticas para Indústria e Sistemas de Energia da Bellona Europa, ONG dedicada ao clima.

Segundo a ONG, sem o requisito de adicionalidade, a alta quantidade de eletricidade renovável, que é demandada por eletrolisadores para produção de hidrogênio verde, comprometeria a rede, levando à necessidade de compensação da carga com fontes fósseis.

Brasil entra na discussão

As discussões acontecem no mesmo momento em que o Comitê Internacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica (Cigre) criou um grupo de trabalho para a formulação de uma certificação global da energia utilizada na produção de hidrogênio verde.

O Brasil, por meio da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), vai liderar este grupo, e deverá levar para debate entre os membros do comitê algumas ideias de requisitos, entre eles o de adicionalidade.

Ricardo Gedra, Gerente de Análise e Informações ao Mercado da Câmara, defende que o critério de adicionalidade garante a preservação da carga na rede, como também evita a possível utilização de energia de fonte fóssil para eventual compensação da carga.

“Uma fábrica grande de hidrogênio vai puxar da rede elétrica do país a eletricidade que ele vai precisar. O que o país vai usar de geração para cobrir aquele consumo? Eventualmente, vai usar recurso que tem, o que pode ser um recurso energético que polua, como uma usina de óleo, por exemplo”, explica Gedra, em entrevista à agência epbr.

Segundo ele, outro requisito proposto pela CCEE  deverá envolver a medição da pegada das diferentes fontes elétricas para produção de hidrogênio verde, como hidrelétricas, eólicas, solar, biomassa e nuclear.

“Estamos focando no teor de carbono em relação às fontes (…) Na Europa, eles estão cada vez mais buscando ser mais flexíveis em falar que precisa ser 100% verde de fontes renováveis”, completa.

Notícia publicada originalmente em: https://epbr.com.br/hidrogenio-verde-mas-nem-tanto

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