Por que ambientalistas protestam contra alguns parques eólicos

Energia gerada pela força dos ventos ajuda a reduzir emissões que causam mudanças climáticas, mas empreendimentos em países como México, Noruega e Brasil sofrem críticas

FOTO: DIVULGAÇÃO/ARI VERSIANI/PAC VIA AGÊNCIA BRASIL
USINA EÓLICA EM ICARÁ (CE)

Enquanto países tentam combater a mudança climática e reduzir o uso de fontes de energia poluentes como o carvão e o petróleo, ambientalistas têm engrossado críticas ao modo como alguns governos têm implementado infraestruturas que deveriam ser aliadas nesse processo: os parques eólicos.

Considerada uma solução promissora para a transição da matriz energética global para fontes limpas, a energia eólica também tem provocado conflitos por poder causar impactos negativos na biodiversidade e nas comunidades de lugares onde tem sido implementada.

Neste texto, o Nexo explica o que é a energia eólica e quais são seus possíveis impactos ambientais. Mostra também os lugares onde ela tem sido alvo de protestos, como o Brasil, e apresenta soluções para os problemas que sua implementação pode causar.

O que é energia eólica

Energia eólica é o nome que se dá à energia elétrica gerada pela força dos ventos, em um processo que transforma em eletricidade a energia cinética criada pelo ar em movimento. Essa transformação ocorre por meio de turbinas eólicas (ou aerogeradores), que formam os chamados parques eólicos.

A energia eólica é renovável (pois utiliza um recurso inesgotável, o vento), limpa (pois não emite gases de efeito estufa) e uma alternativa para a descarbonização da matriz energética no contexto da mudança climática, causada pelas emissões de gases poluentes.

83%

das fontes de energia usadas no mundo são poluentes e não renováveis (como petróleo, carvão e gás natural)

As turbinas eólicas são formadas por pás e uma torre, numa estrutura semelhante à dos moinhos de vento. O vento atinge as pás, fazendo-as girar, e um gerador no interior da torre converte a energia cinética em energia elétrica. A quantidade de energia gerada nesse processo depende da velocidade dos ventos e do tamanho das turbinas.

Existem dois tipos de usinas eólicas: onshore (que ficam no solo) e offshore (que ficam no mar). Dados de 2021 do Conselho Global de Energia Eólica mostram que os países com mais capacidade total instalada onshore são China, Estados Unidos, Alemanha, Índia, Espanha e, em sexto lugar, o Brasil.

10%

da energia gerada no mundo vem das fontes eólica e solar, segundo dados de 2021 de relatório da think thank Ember

11%

é a participação apenas de usinas eólicas na matriz energética brasileira

Enquanto, por um lado, a energia eólica vem crescendo nos últimos anos, por outro, ela tem limitações. Trata-se de um tipo de energia variável e não despachável (ou seja, não é possível controlar sua geração para atender a demandas de energia elétrica). Essa característica se deve à imprevisibilidade e à inconstância dos ventos.

O que motiva protestos

Apesar de a energia eólica ser limpa em comparação com fontes energéticas que emitem gases de efeito estufa (como o petróleo, o carvão e o gás natural), a instalação de parques eólicos, principalmente os do tipo onshore, pode causar impactos socioambientais negativos.

Esses impactos estão relacionados ao uso da terra. Para construir usinas eólicas é preciso que haja uma grande área disponível. Enquanto uma usina de gás natural com capacidade de 200 MW ocupa cerca de um quarteirão, por exemplo, um parque eólico com a mesma capacidade caberia em 36 km², segundo reportagem da agência Bloomberg.

Essas construções — tanto das usinas quanto da infraestrutura que as acompanha, como estradas — podem acentuar disputas por terra, afetar comunidades vizinhas dos terrenos dos empreendimentos e degradar a biodiversidade local, com impactos específicos como:

  • desmatamento
  • degradação e fragmentação de habitats
  • atropelamentos de animais nas estradas construídas
  • extinção de espécies
  • uso intensivo de água
  • aumento de crimes ambientais, facilitados pela construção de estradas e outras infraestruturas
  • problemas sociais e de saúde para comunidades vizinhas
  • desestruturação dos modos de vida locais
  • descarte de resíduos durante a geração de energia (como o óleo que cai das turbinas e pode contaminar a água)

Ambientalistas em países como Noruega e México têm protestado contra a construção dessas usinas nos últimos anos. Em 2022, no México, as manifestações de uma comunidade indígena em Oaxaca levaram ao cancelamento da implementação de uma usina que afetaria terras tradicionais. Em 2023, na Noruega, protestos contra turbinas que o governo também procura construir em territórios indígenas contaram com a participação da ativista sueca Greta Thunberg, que foi detida.

Essas usinas também se tornaram um problema no Brasil, especialmente no bioma da Caatinga, no Nordeste. Estados como Rio Grande do Norte, Bahia, Piauí e Ceará têm concedido licenças para essas construções em áreas de vegetação nativa, causando desmatamento e afetando a fauna local.

62%

dos parques eólicos do Brasil foram instalados em áreas originalmente cobertas por vegetação nativa ou dunas costeiras (quando poderiam ter sido construídos em áreas degradadas, com menos valor ambiental)

Em vídeo para o Nexo Políticas Públicas, plataforma de divulgação científica do Nexo, a pesquisadora Moema Hofstaetter, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), disse que, para atrair empresas, estados do Nordeste criaram políticas de incentivo para a construção de parques eólicos, como isenções tributárias, subsídios e flexibilização de normas ambientais:

Pesquisadores fizeram crítica semelhante em 2021 no portal ((o))eco. Analisando o caso do Rio Grande do Norte, um dos estados onde a geração de energia eólica mais tem crescido no Brasil, o texto afirma que esse avanço não tem sido acompanhado por melhorias nas políticas ambientais estaduais que poderiam garantir a compatibilização dos empreendimentos com a conservação de ecossistemas.

Segundo o grupo, “os estudos [para licenciamento ambiental das obras] parecem ser feitos simplesmente com o objetivo de atender a exigências legais e obter a licença, mas nada têm a ver com uma preocupação real de compatibilizar a atividade econômica com a conservação ambiental”.

Na região do Seridó, também no Rio Grande do Norte, a construção de um megaempreendimento eólico ameaça inclusive sítios arqueológicos. Reportagem do site The Intercept mostra que o chamado Complexo Eólico Pedra Lavrada, que prevê a instalação de 372 aerogeradores em oito cidades, pode soterrar parte de um conjunto de 40 sítios com vestígios únicos se for construído da forma como foi proposto. Procurada, a Casa dos Ventos, empresa responsável pelo projeto, disse que não há esse risco e que suas atividades seguirão “as melhores práticas da engenharia”.

Quais as possíveis soluções

Moema Hofstaetter falou para o Nexo Políticas Públicas que os problemas identificados no Nordeste não são devem ser atribuídos à energia eólica, mas à forma como essa fonte de energia tem sido implementada no Brasil, onde os custos ambientais dos empreendimentos são pagos por toda a sociedade.

Segundo pesquisadores que escreveram para o portal ((o))eco, uma alternativa para compatibilizar a geração de energia com a conservação da Caatinga é fazer com que as empresas destinem recursos de compensação ambiental para a criação de áreas protegidas nas zonas impactadas pelos empreendimentos.

Outra opção é instalar usinas eólicas em áreas sem a presença de vegetação nativa. Turbinas eólicas podem ocupar áreas de fazendas. Na Europa e na América do Norte, pesquisadores tentam encontrar um equilíbrio entre agricultura e geração de energia de uma forma que beneficie os proprietários de terras.

No Brasil, a Petrobras anunciou em 2023 que vai avaliar projetos de geração de energia eólica offshore (ou seja, em alto mar) junto com a petroleira norueguesa Equinor. Esse modelo também pode ser uma alternativa às usinas que dependem do uso da terra. Projetos de offshore estão sob avaliação no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) desde meados dos anos 2010, mas nenhum projeto ainda foi operacionalizado.

Os impactos desse tipo de usina ainda são pouco conhecidos. Em maior ou menor grau, no entanto, é possível esperar que essas estruturas também mudem habitats e degradem os ecossistemas marinhos. Pesquisadores tentam desenvolver ferramentas para conhecer melhor esses ecossistemas e medir os possíveis impactos dessas construções para avaliar se seriam viáveis na costa brasileira.

Notícia publicada originalmente em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2023/03/26/Por-que-ambientalistas-protestam-contra-alguns-parques-e%C3%B3licos

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