Em Campina Grande, jovens do campo encontram aliados para resistirem às indústrias de energia

A 9ª Feira Agroecológica e Cultura da Juventude do Polo da Borborema realizada hoje pela manhã (2), na praça da Bandeira, no centro de Campina Grande, atraiu algumas pessoas que trabalhavam ou passavam pelo setor. As barracas diversificadas de produtos cultivados sem agrotóxicos e plantados a partir de sementes crioulas enchiam os olhos de quem se preocupa com uma alimentação saudável. Adquirindo alimentos, mudas de plantas ou fazendo um lanchinho nas barracas, muitas pessoas tomaram conhecimento do lado oculto da produção de energia renovável em larga escala.

É que os/as jovens rurais, vindos de comunidades e sítios de 10 municípios que fazem parte do Polo da Borborema, chegaram com vontade de vender, mas também de contar uma história. Uma história que, propositadamente, não é contada pelas empresas que investem na produção de energia a partir dos ventos e do sol. O que os jovens vieram contar é que seus territórios, onde produzem o alimento, as mudas de plantas, criam os animais e as famílias vivem há gerações, estão sendo ameaçados por verdadeiras indústrias de geração de energia.

Marcos Vieira Lima, funcionário público estadual, passou na feira para comprar uns alimentos e comentou que sabia de alguns impactos provocados pela indústria de energia, mas afirmou estar surpreso quando se inteirou um pouco mais da gravidade dos danos provocados pela produção centralizada da energia renovável.

“Muitas pessoas que moram nas cidades estão fugindo para o campo. E a gente saber que tudo isso está acontecendo por lá, nos deixa preocupados”, exclamou ele. “A gente precisa de eletricidade, mas se tem gente sofrendo a partir da geração dessa energia, não está certo. É preciso pensar em uma solução que seja boa para todos e não para uma minoria e outros fiquem de fora”, complementou.

Entre os jovens rurais visitantes, estava Dayane Monteiro, de 22 anos, de uma comunidade de Esperança. Ela mora com o marido, numa propriedade onde vivem também os pais com a irmã mais nova e a avó. São 8,5 hectares para atender às necessidades das três famílias. Na comunidade deles, com cerca de 50 famílias, tem escola rural, posto de saúde, campos de futebol, cisternas de água de beber e tecnologias que guardam a água da chuva para a produção de alimentos e criação dos animais. Além disso, as famílias se organizam em grupos que gerenciam uma espécie de poupança coletiva para a aquisição de animais, como galinhas e ovelhas, e também para a construção de fogões ecológicos, que funcionam bem com uma menor quantidade de lenha e são mais saudáveis para as mulheres que, em geral, se encarregam das comidas em casa.

O endereço de Dayane está na rota dos ventos e no mapa de instalação de parques eólicos. “Se a gente não conseguir barrar a chegada desse parque, vai ter muita migração, porque os parques limitam muito o uso das nossas terras, vai atrapalhar que as nossas crianças sigam estudando na escola da comunidade e vamos perder nosso sossego. Fui para o intercâmbio em Caetés [no Agreste de Pernambuco] e fiquei apavorada com os relatos que ouvi da comunidade e também com o que vi e senti no pouco tempo que passei por lá”, ressalta a jovem agricultora que planta algodão agroecológico, tem hortas ao redor de casa, cria galinha e ovelhas e cultiva as culturas de sequeiro no roçado: feijão, fava, milho…

As irmãs Rosângela Bezerra, de Campina Grande, e Ana Mary Bezerra, de São Paulo, que deram uma passadinha feira foram outras que ficaram admiradas com os impactos negativos trazidos com o modelo centralizado de produção de energia eólica e solar. “É muito importante esclarecer a população o que está por trás desses empreendimentos. Para nós é muito importante termos essa oferta de alimentos naturais, sem agrotóxicos que estamos vendo aqui nessa feira”, comentou Rosângela.

Do bairro de Bodocongó, Josilma Silva Izidro, que valoriza muito o alimento agroecológico por saber que faz bem à saúde, só lembrou do sobrinho que tem autismo que se incomoda muito com qualquer barulho, quando soube da zuada emitida dia e noite pelas imensas torres. “Se ele [o sobrinho] não vai sofrer com isso porque mora na Ramadinha, fico imaginando como vai ser a vida de quem é autista e mora nas zonas afetadas”, dispara e complementa “Pra mim, se causa barulho já provoca um dano grave”.

Enquanto isso, no palco, armado na praça de frente para as duas fileiras com as barracas repletas de alimentos, artesanatos e mudas de plantas, várias pessoas faziam falas curtas trazendo novas informações sobre os impactos negativos provocados por essas indústrias que se instalam nos quintais das casas no campo. E o trio de forró Acauã animava os presentes com músicas entre as falas.

Em outro espaço da praça, foi encenada um pequena peça teatral que reproduziu a forma como os representantes das empresas chegam nas casas da famílias, alertando para as promessas falsas que são feitas para convencer as pessoas a arrendar as terras para que principal atividade econômica se torne a produção de energia, em detrimento da produção de alimentos.

Durante o ato que terminou próximo ao meio dia, havia também uma exposição fotográfica com imagens de comunidades onde os parques eólicos funcionam há anos. Os danos são evidentes: casas e cisternas rachadas pela trepidação do solo com a passagem dos pesados caminhões para a construção do parque; pedaço de hélice no chão que despencou de uma turbina após uma explosão; casa com aspecto de abandonada por estar sempre com portas e janelas fechadas devido à poeira que vem das estradas de terra alargadas e pela zuada constante dos aerogeradores; além de mostrar torres bem próximas às casas, quando a distância mínima  – estabelecida pelas regras que definem as diretrizes para instalação dos parques – deveria ser de 500 metros.

O grande final do ato, que reuniu cerca de 350 jovens agricultores e agricultoras, bem no centro de Campina Grande, o segundo município em população da Paraíba, com mais de 410 mil habitantes e a 130 km de João Pessoa, a capital do estado, foi uma volta à praça com os jovens munidos de bandeiras com o lema “Borborema Agroecológica não é lugar de parques eólicos”.

Sem dúvida, o evento foi mais um momento de demonstração de força e organização social das famílias agricultoras agroecológicas do território de atuação do Polo da Borborema. O Polo é um coletivo, formado por 13 sindicatos rurais e cerca de 150 associações comunitárias, que promove no território onde atua a construção da agricultura familiar agroecológica e organiza várias resistências a projetos, como esse das indústrias de energia, que ameaçam o modo de vida das famílias que vivem no campo e cultivam alimentos limpos e saudáveis. A ação do Polo tem a assessoria da ONG AS-PTA.

Na avaliação dos jovens organizadores, o evento gerou ânimo e mais energia para que outras ações como essa sigam sendo promovidas no território. Bem como o servidor público Marcos Lima desejou: “Que continuem com esse movimento, pelo menos, para barrar a chegada delas [das indústrias] em alguns lugares”. No que depender dos jovens que estiveram na praça hoje, em pleno dia de jogo do Brasil na Copa do Quatar, a luta seguirá.

Imagens: @flaviocosta

Notícia publicada originalmente em: https://aspta.org.br/2022/12/02/em-campina-grande-jovens-do-campo-encontram-aliados-para-resistirem-as-industrias-de-energia

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