ProGD: muita fumaça, pouco fogo.

Foto: Arquivo Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil.

Foto: Arquivo Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil.

Quase um ano de espera e eis que não há como disfarçar a sensação de decepção com a mania de pequenez demonstrada pelo governo brasileiro. Desta vez o motivo é o Programa de Desenvolvimento da Geração Distribuída de Energia Elétrica (ProGD), anunciado no último dia 15 de dezembro pelo Ministério de Minas e Energia e festejado por muitos setores da sociedade, creio que em especial os que vislumbram uma “fatia” dos cerca de R$ 100 bilhões previstos em investimentos até 2030.

Aparentemente o programa possui um caráter grandioso, pois além do volume de recursos já citado, prevê a adesão de 2,7 milhões de unidades consumidoras – o que será algo excepcional se comparado com os pouco mais de 1.000 mini e microgeradores atualmente -, a instalação de 23,5 GW e a geração de 48 milhões de MWh, o que representa cerca de 7,7% de toda energia elétrica gerada em 2014.

O evento de lançamento apresentou um conjunto de ações realizadas durante o ano e que de alguma forma incentivam a mini e microgeração distribuída de energia elétrica, com destaque para a revisão da Resolução nº 482 da ANEEL[1] e algumas isenções tributárias sobre a energia proveniente da mini e microgeração (essencialmente do ICMS e do PIS/Cofins).

No entanto, além dos objetivos e da abrangência do programa, a Portaria Ministerial[2] que institui o ProGD se limita a estabelecer os Valores Anuais Específicos de Referência[3] (VRES) para a venda da energia proveniente da geração distribuída das fontes solar e cogeração qualificada[4] e a instituir um Grupo de Trabalho que terá 90 dias para apresentar ações que ajudem a concretizar os objetivos do programa. Pouco, “muito pouco”!

Primeiro cabe observar que o programa não se destina somente à mini e microgeração distribuída (regulamentada pela Resolução 482 e limitada a 5 MW), mas a empreendimentos da geração distribuída com potência disponibilizada até 30 MW. Esta é uma observação importante porque nos leva exatamente à segunda.

Uma vez que a comercialização de energia continua não permitida para a mini e microgeração, cabe concluir que a principal medida do ProGD, o estabelecimento do VRES, não beneficiará os adotantes desta modalidade, mas apenas os empreendedores autorizados a tal. Mas e os mini e microgeradores? Por enquanto, contentem-se com o Sistema de Compensação de Energia Elétrica[5].

Os valores estabelecidos e atualizáveis pelo IPCA para a fonte solar e por uma fórmula especifica que inclui a variação deste índice para a cogeração qualificada objetivam tão somente tornar tais valores atrativos para os empreendedores. Mais uma vez quem sairá ganhando serão empresas.

A terceira observação é sobre a composição do Grupo de Trabalho. O primeiro questionamento é pela notável ausência do Operador Nacional do Sistema (ONS), responsável pela operação do setor elétrico brasileiro e que – com certa razão -, é um dos que sempre lembram e se preocupam com os desafios técnicos que precisam ser superados para uma integração adequada de milhares (e futuramente milhões) de geradores ao sistema elétrico.

Outra ausência notável e lamentável no referido grupo é a sociedade civil, em especial organizações[6]. Estas parecem simplesmente não existir em muitos atos normativos de determinados setores do governo. Qual seria o medo da participação popular?

Às vezes fico pensando o que o Ministério de Minas e Energia fará quando a população brasileira passar a enxergar a energia elétrica como qualquer outra política pública e passar a exigir participação nas grandes decisões que de alguma forma afetam o seu suprimento e a sua tarifa de energia elétrica.

É sabido que um verdadeiro programa de incentivo, estímulo, desenvolvimento e adoção efetiva da microgeração distribuída ultrapassa os limites de competência do MME, pois envolve questões relacionadas a financiamento, incentivos fiscais, qualificação de mão de obra, desenvolvimento de toda a cadeia produtiva da energia solar fotovoltaica no Brasil, entre outras medidas. Talvez mais do que uma Portaria Ministerial (ou Interministerial) se precise mesmo é de um marco legal que promova uma verdadeira mudança na forma como se gera e comercializa energia elétrica no Brasil.

O MME sabe que várias ações podem ser estudadas seriamente[7]: criação de um fundo público de financiamento, adoção da tarifa prêmio para a mini e microgeração, adoção (e não apenas incentivo) de sistemas de geração distribuída em prédios públicos, adoção de microgeração em unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida (em vez de aquecedores solares em algumas regiões inadequadas do Brasil), adoção de metas de participação de energias renováveis de menor impacto (como solar) na matriz elétrica nacional, redução e/ou isenção de impostos para adotantes, uma simples campanha nacional de divulgação do Sistema de Compensação de Energia Elétrica...

Por enquanto, o que parece restar aos consumidores residenciais é desejar que o Grupo de Trabalho instituído seja exitoso em sua tarefa de ampliar o escopo de ações e incentivos com os quais a mini e microgeração poderão contar. Infelizmente, não hoje.

 

Joilson José Costa

Engenheiro Eletricista

Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil

[1] Aqui é interessante observar que nas contribuições recebidas no processo de Audiência Pública para esta revisão não se identifica nenhuma contribuição do Ministério de Minas e Energia.

[2] Publicada no Diário Oficial da União no dia 16/12/2015. Disponível em: http://goo.gl/Yi7vLz

[3] Este valor representa a remuneração paga pela distribuidora a um gerador pela energia que ele injetar na rede de distribuição. A Lei 13.203/2015 estabelece que o custo desta aquisição poderá ser repassado integralmente às tarifas dos consumidores finais.

[4] Os valores para as demais fontes serão calculados pela Empresa de Pesquisa Energética e divulgados em 2016.

[5] Este é o sistema estabelecido pela Resolução nº 482 da ANEEL, em que não há comercialização, mas pura “troca” de energia entre o gerador e a concessionária de distribuição.

[6] A Portaria estabelece que o GT poderá convidar representantes de órgãos, associações ou empresas (categorias em que não se incluem as organizações) quando for necessário ao desenvolvimento dos trabalhos.

[7] No dia 10/06/2015 organizações entregaram ao MME um documento com uma série de propostas em que contemplam sugestões de políticas na área da mini e microgeração distribuída: http://energiaparavida.org.br/frente-entrega-reivindicacoes-ao-ministerio-de-minas-e-energia/

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